1 de ago. de 2014

Jamais! - Lady Viana

   



    Um dia, uma moça limpava nossa casa no interior, e ao limpar o guarda-roupa, pegou uma blusa roxa despedaçada, sem botões, axilas cortadas... E disse “posso jogar fora?”.
Entrei num desespero-eufórico-exasperado e de pronto peguei da mão dela. “Jamais”, e fui embora.
    À noite, quando voltei da aula, no suporte para lixo em frente à casa, estava meu vídeo-cassete cinza-chumbo cheio de pó. Entrei num desepero-eufórico-exasperado e de pronto o tirei de lá, do lixo mesmo. “Que absurdo!”, entrei em casa batendo porta. Todos olharam em volta e disseram “joga esse treco fora logo, meu!”. “Jamais”, e fui embora.
    Na semana seguinte, estavam colocando as roupas no sol. No meio de toda a zona, tinha um blusão enorme branco, amarelado, meio comido pelas traças. Perguntaram-me “posso doar?”. Entrei num desespero-eufórico-exasperado e de pronto levei comigo. “Jamais”, e fui embora.
    Dizem que sou colecionadora de “tralhas”. “Lixo” ou “de coisas estragadas”. Não, são coisas perfeitas, no mais perfeito estado!.. Não conseguem ver com meus olhos? Obviamente não. Elas não sabem o que são essas coisas.
    Quando morava na Zona Norte, e chegava o frio de outono, minha mãe pegava aquela blusa roxa assim que acordava. Era um cardigan, e bem bonito, aliás. Às vezes usava para dormir, e a qualidade do fio era tão alta, que nunca ficou com bolinhas. Eu adorava o cheiro que ela deixava na roupa. Ainda adoro.
    Quando meu pai viajava, minha mãe dizia “vamos pegar um filme?” e passávamos na locadora da Cruz das Almas. Lembro de ter assistido “Vida de Inseto” umas quinhentas vezes, assim como Mulan, umas seiscentas. Como era nos anos 90, colocávamos num vídeo-cassete – o mais moderno do momento. Cinza-chumbo, com uma listra vermelha estilosa e o nome da marca estampado. Ninguém queria rebobinar a fita, porém.
    Quando o outono acabava, e o inverno vinha, com suas instabilidades – frio, calor, frio – minha mãe ficava resfriadinha. Ela usava a blusa branca quando íamos à biblioteca, e no bolso, eu lembro bem, sempre deixava um lencinho de papel amassado, que ela usava se precisasse. Quando ela tirava a blusona, eu me enfiava lá, e colocava a mão no bolso. Sempre tinha um lencinho.
    São lembranças rasgadas, empoeiradas, amareladas, mas eu nunca, jamais, as jogaria fora.


Feliz aniversário, Mamãe!


Lady Viana

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