Um dia, uma moça limpava nossa casa no interior, e ao limpar o guarda-roupa, pegou uma blusa roxa despedaçada, sem botões, axilas cortadas... E disse “posso jogar fora?”.
Entrei num desespero-eufórico-exasperado e de pronto peguei
da mão dela. “Jamais”, e fui embora.
À noite, quando voltei da aula, no suporte para lixo em
frente à casa, estava meu vídeo-cassete cinza-chumbo cheio de pó. Entrei num
desepero-eufórico-exasperado e de pronto o tirei de lá, do lixo mesmo. “Que
absurdo!”, entrei em casa batendo porta. Todos olharam em volta e disseram “joga
esse treco fora logo, meu!”. “Jamais”, e fui embora.
Na semana seguinte, estavam colocando as roupas no sol. No
meio de toda a zona, tinha um blusão enorme branco, amarelado, meio comido
pelas traças. Perguntaram-me “posso doar?”. Entrei num
desespero-eufórico-exasperado e de pronto levei comigo. “Jamais”, e fui embora.
Dizem que sou colecionadora de “tralhas”. “Lixo” ou “de
coisas estragadas”. Não, são coisas perfeitas, no mais perfeito estado!.. Não
conseguem ver com meus olhos? Obviamente não. Elas não sabem o que são essas
coisas.
Quando morava na Zona Norte, e chegava o frio de outono,
minha mãe pegava aquela blusa roxa assim que acordava. Era um cardigan, e bem
bonito, aliás. Às vezes usava para dormir, e a qualidade do fio era tão alta,
que nunca ficou com bolinhas. Eu adorava o cheiro que ela deixava na roupa.
Ainda adoro.
Quando meu pai viajava, minha mãe dizia “vamos pegar um
filme?” e passávamos na locadora da Cruz das Almas. Lembro de ter assistido “Vida
de Inseto” umas quinhentas vezes, assim como Mulan, umas seiscentas. Como era
nos anos 90, colocávamos num vídeo-cassete – o mais moderno do momento.
Cinza-chumbo, com uma listra vermelha estilosa e o nome da marca estampado.
Ninguém queria rebobinar a fita, porém.
Quando o outono acabava, e o inverno vinha, com suas
instabilidades – frio, calor, frio – minha mãe ficava resfriadinha. Ela usava a
blusa branca quando íamos à biblioteca, e no bolso, eu lembro bem, sempre
deixava um lencinho de papel amassado, que ela usava se precisasse. Quando ela
tirava a blusona, eu me enfiava lá, e colocava a mão no bolso. Sempre tinha um
lencinho.
São lembranças rasgadas, empoeiradas, amareladas, mas eu
nunca, jamais, as jogaria fora.
Feliz aniversário, Mamãe!
Lady Viana